domingo, 25 de maio de 2008

SABEDORIA POPULAR

Academia Ceilandense de Letras & Artes Populares reúne artistas de várias áreas, alfabetizados ou não, em torno do sonho de publicar seus livros (*)

Eles queriam “aplausos”. Pelo sentido onomatopéico, ACLAP significa isso mesmo. Em Ceilândia, porém, é a sigla da Academia Ceilandense de Letras e Artes Populares. Orgulho da comunidade e esperança da realização de um sonho para os 35 integrantes: poder publicar um livro.
A cantineira Percília Júlia Toledo, 66 anos (mais conhecida como a “Cora Coralina Candanga”), foi a primeira a sonhar. A cadeira acadêmica nº 1 é dela. O professor de história Manoel Jevan se empenhou pelo sonho coletivo. Dá suporte a quem quiser elaborar projetos e conseguir financiamento do FAC (Fundo de Apoio à Cultura).
“quem escreve samba também é escritor”, antecipa Percília. Para ela, os diversos artistas de Ceilândia devem estar juntos na ACLAP. Aos 19 anos, quando estava no exército, Léo Maravilha aproveitava as horas vagas para escrever sambas-enredo. O chamado “sambista do Morro do Urubu” também compartilha o sonho de ter um livro: “Componho músicas, mas um dia ainda escrevo um livro”.
Na ACLAP, porém, ninguém usa roupas formais. As reuniões, desde agosto passado, sempre ocorrem no último sábado do mês, com seus integrantes em círculos e atentos aos versos, poesias, repentes e sambas. “Crianças, idosos, alfabetizados ou não, são todos bem vindos, o objetivo é realizar o nosso sonho literário”, comenta Jevan. Ao fim, o chá: as mulheres levam os comes e os homens, os bebes.
No dia do aniversário da cidade, 27 de março, a “academia” foi oficializada. Ainda falta eleger a diretoria, aprovar o estatuto e ter sede. Por enquanto, as atividades se desenvolvem na biblioteca pública do Centro Cultural de Ceilândia. Mas as histórias produzidas já são significativas.
A literatura de cordel, tradicional no Nordeste, tem influência certa em Ceilândia - cidade tipicamente nordestina. O pernambucano Donzílio Luiz de Oliveira, 72 anos, escreve poesia cordeliana, sonetos e é repentista. Também chamado de o “Camões do Cordel Candango”, começou a escrever com 25 anos e hoje já tem seis livros publicados. Como um dos presidentes de honra da ACLAP, Dom Donzílio se envaidece por freqüentar um lugar que une o erudito com o popular. “Toda cidade tem um ponto de encontro dos escritores; aqui tem dos escritores e de todas as outras artes”, expõe. Na reunião que oficializou a academia, ele escreveu uma poesia para Ceilândia:


“CANDANGOCEI”
Ceilândia, Ceilândia, nasceste e cresceste,
Depressa chegaste à maioridade,
Sem muitos saberem definir por que
A palavra CEI deu nome à cidade;
Aquela “Campanha de Erradicação
Para as Invasões” tem a sigla CEI.
Podemos dizer, sem medo de errar,
Que o nome CEILÂNDIA nasceu dessa lei.
Viemos da vila do IAPI,
Das vilas, Tenório, Colombo, Esperança,
Morro do Urubu, e do Querosene,
Foi mais um despejo que uma mudança;
Abriram as ruas, demarcaram as quadras,
Dividiram em lotes, puseram endereço
E jogaram a gente no meio do cerrado,
Como quem afirma: pobre não tem preço.
Ceilândia, tu foste criada de um erro,
Que uniu preconceito e discriminação;
Nós fomos expulsos do meio dos ricos
Para dá lugar a prédio e mansão.
Para os nordestinos, migrantes, “araras”,
És o maior ponto de concentração,
Exibindo estórias, forró, cantoria,
Cultura de um povo de uma região.
Ceilândia, Ceilândia, tu, por muitos anos,
Foste conhecida como “dormitório”,
Depois do progresso, estás sendo agora
A maior cidade deste território,
Invejando aqueles que nos expulsaram,
Agora, Ceilândia, és grande também.
Para os tubarões mostrando que somos
Humildes, mas dignos de morarmos bem.


(*) Izabel Toscano, jornal Aqui-DF, 09∕04∕2006.

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